Fonte: O Observador. Data: 20/02/2016.
URL: http://observador.pt/2016/02/20/bibliotecario-nome-da-rosa/
O primeiro e mais célebre romance de
Umberto Eco é o resultado de todas as suas grandes paixões juntas numa história
de mistério e linguagem.
“O Nome da Rosa” tinha de acontecer. Era uma
questão de tempo. O primeiro romance de Umberto Eco reúne todos os temas que
trabalhava há muito – mais do que isso, juntava as suas maiores paixões. A
semiótica e a história medieval, a religião e a Europa, os símbolos, a lógica e
a Academia mas também os comuns mortais, os leigos de conhecimento e a cultura
de massas, juntamente com a Arte e a eterna discussão entre o que é e o que não
é belo. E Jorge Luis Borges. Em 2011, Eco dizia em entrevista ao jornal
britânico “The Guardian” que “as pessoas estão fartas de coisas simples, querem
ser desafiadas”. Contas feitas, essa era uma convicção que o acompanhava há
muito. Por isso escreveu O Nome da Rosa.
Não imaginava o italiano que mais de 30 anos depois
de o ter publicado, em 1980, estaria a fazer digressões pelo mundo para
apresentar os seus romances seguintes. Não escreveu muitos, no total foram sete
— o último, Número Zero, ainda no ano passado. Mas eram todos recebidos
como se acolhe uma estrela pop. Com ansiedade, com ganas de consumir a obra
para depois a ter suficientemente decorada a fim de a transformar em conversa
de café. E era também esse um dos dilemas de Umberto Eco, o eterno diálogo
entre a cultura intelectual e a cultura de massas. Ou então sempre foram apenas
uma, como deu a entender tão bem com O Nome da Rosa.
Códigos
O que é certo é que a linguagem era a sua
eterna obsessão. Não tanto a possibilidade de comunicar através de códigos mas
a realidade inevitável de que a mesma comunicação pode ter diferentes
significados em diferentes momentos, pode ser compreendida de formas distintas
em outras tantas ocasiões. Ou como explicava nessa mesma entrevista ao
Guardian, “quando um cão ladra, não mente”. Mas nós podemos fazê-lo e isso é
fascinante. O Nome da Rosa
parte desse princípio. Um
crime que parece um suicídio mas pode não ser. Livros que têm um significado
aparente mas outros tantos escondidos. Uma religião que segue determinados
princípios mas que pode fazer uso de outros opostos ao mesmo tempo.
E um homem para descodificar tudo isso e trazer a verdade – pelo menos uma
verdade – à superfície. Com as respostas nos livros, como dizia Borges.
Acontece tudo num mosteiro beneditino, no Norte da
Itália. Há um assassino que ameaça os monges e é o frade William of Baskerville
que chega, acompanhado do seu fiel seguidor Adso, e acaba por investigar a
ocorrência. Começa com a tal suspeita de que um dos monges se atirou de uma
torre mas as pistas não dizem isso ao sábio franciscano que por ali passa com
uma missão com o carimbo do Papa. E à medida que vai querendo saber mais também
vai presenciando a morte de mais uns quantos fiéis religiosos. Há uma biblioteca que guarda os segredos dos
acontecimentos, livros e iluminuras que escondem respostas difíceis de
descobrir à primeira e à segunda. Mas William of Baskerville
parece empurrado por uma sabedoria que, apesar das vestes, tem pouco de divina
ou sobrenatural. É o homem esforçado a fazer uso da dúvida constante e isso é
fascinante. Mais ainda é vermos continuamente a figura do autor na personagem
principal. Mesmo que Sean Connery tenha brilhado quando Jean-Jacques Annaud fez
uma certeira adaptação ao cinema, faz em Setembro 30 anos.
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