30 de set. de 2016

Livro, leitura e bibliotecas estão no debate político e nas propostas de campanha

Fonte: Revista Biblioo. Data: 28/09/2016.
A construção e modernização das bibliotecas públicas, bem como o implemento de políticas para as áreas do livro e leitura são, em grande medida, responsabilidades dos municípios. Em função disso, as eleições municipais se mostram como um momento importante para se discutir essas questões e, principalmente, cobrar dos postulantes aos cargos do executivo e do legislativo propostas relacionadas a esses temas.
Pensando nisso, a Associação Catarinense de Bibliotecários (ACB) está levando a cabo uma campanha que pretende garantir o compromisso dos candidatos a prefeito e a vereador nos municípios do estado em relação à implementação da Lei 12.244, lei da biblioteca escolar e do cargo de bibliotecário em Santa Catarina.
A tática consiste em fazer a entrega aos candidatos de uma carta na qual ele se compromete a criar, investir e manter as bibliotecas escolares, assim como apresentar o bibliotecário como profissional de grande importância nas escolas e nas redes de bibliotecas. A ideia é estabelecer um diálogo com os candidatos, parlamentares e depois cobrar este comprometimento. Para acompanhar o desenrolar da campanha a ACB criou um mapa interativo com o nome dos candidatos que assinaram a carta e se comprometeram em dialogar. Até o fechamento desta matéria um total de 15 candidatos já haviam firmado o compromisso.
De acordo com a bibliotecária Camila Koerich Burin, presidente da ACB, a ideia surgiu a partir da fala da bibliotecária Miriam Mattos no decorrer do Encontro Regional de Educação em Ciência da Informação (ERECIN – SUL), realizado Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em julho deste ano. Durante o evento Miriam falou da importância da participação dos bibliotecários nas políticas públicas e neste processo que antecede as eleições e frisou a importância de não se esperar que 2020 chegue para a efetivação da Lei 12.244 e que os prefeitos e vereadores eleitos em 2016 já teriam que se preparar para quando o prazo estabelecido pela lei se esgotar.
“A partir da ideia foi formada uma comissão entre: CRB-14, ACB (Diretoria e GBAESC), UDESC, UNOCHAPECÓ. O documento ‘Carta de Compromisso’ foi elaborado para ser entregue junto com orientações sobre os parâmetros mínimos, com base no material de Bernadete Campello, para o funcionamento das bibliotecas escolares”, esclarece Burin. De acordo com a bibliotecária os bibliotecários nos municípios foram convidados a se comprometer com a causa e dialogar com os candidatos. Neste primeiro momento da ação será finaliza na quinta-feira, dia 29/09, quando a instituição divulgará os candidatos que firmaram o compromisso.
Propostas genéricas
No que se refere à plataforma de campanha dos candidatos, seja para a prefeitura, seja para as câmaras municipais, na maioria das vezes as propostas em relação a área do livro, leitura e bibliotecas são demasiadamente rasas. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde 11 candidatos concorrem a prefeitura, constata-se que as propostas para as bibliotecas em sua grande maioria aparecem de forma simplificada e em alguns programas de governo sequer são citadas.
Destaque-se o fato de que o candidato que assumir a prefeitura carioca em 2017 vai ter que um grande desafio no que diz respeito em manter e ampliar as bibliotecas municipais existentes. Hoje o município do Rio conta com um total de 22 bibliotecas e cinco espaços de leitura, como demonstrou a plataforma VozeRio ao apresentar recentemente um diagnóstico sobre a situação da rede municipal de bibliotecas da cidade.
Outro agravante no que diz respeito às bibliotecas cariocas é a falta de abertura de concursos públicos para bibliotecários. Em entrevista à Agência Brasil, Luciana Manta, presidente do Sindicato dos Bibliotecários do Rio de Janeiro (SINDIB-RJ), afirmou que já são quase duas décadas sem concurso público para bibliotecários no âmbito da Secretaria de Educação, além do estado que não abre concurso para a Secretaria de Cultura há mais de 25 anos, sem falar na pasta da Educação, que nunca fez concurso.
Mesmo diante deste quadro adverso, nenhum dos atuais candidatos à prefeitura do Rio colocaram como proposta de campanha a abertura de concursos públicos para bibliotecários. No programa de governo do candidato do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marcelo Freixo, as propostas que abarcam as bibliotecas estão colocadas dentro do tópico “Planejamento e Gestão, Educação e Cultura”.
No que se refere ao Planejamento e Gestão, a proposta é a de implementar uma rede sem fio que garanta internet pública, gratuita e de qualidade no município com a ideia de instalar postos de conexão em lugares públicos, dentre eles as bibliotecas. Em relação à Educação as bibliotecas são citadas juntamente com a garantia de estrutura das escolas municipais com a ampliação de bibliotecas e salas de informática. Por fim, no tópico Cultura é firmado o compromisso de ampliar o horário de funcionamento e investir na construção de bibliotecas municipais em as áreas de planejamento da cidade.
Mesmo se tratando de uma candidatura progressista e de uma proposta de governo que, segundo Freixo, foi criada com a participação da sociedade, as pautas em prol das bibliotecas, livro e leitura são generalistas. E embora exista o compromisso de ampliar os espaços de leitura, não são citados números e nem uma quantidade exata de novas construções.
No programa da candidata Jandira Fegali do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), as propostas para as bibliotecas também estão de forma genéricas e não muito diferentes das apresentadas pelo candidato do PSOL. Intitulado de “Rio Comum”, o plano de governo da candidata se refere às bibliotecas quando menciona a ampliação dos programas de inclusão digital do município com a Praça do Conhecimento. Nele é mencionado a oferta, principalmente nas comunidades mais carentes, a criação de bibliotecas digitais. No que diz respeito às bibliotecas municipais, Fegali propõe a modernização das bibliotecas regionais e a criação de três caminhões bibliotecas com o intuito de ampliar o raio de cobertura do setor de leitura e conhecimento. Com o intuito de propiciar a inserção cultural de pessoas com deficiência, a candidata prevê, ainda, a adesão de textos em braille nas bibliotecas públicas.
O programa do candidato Alessandro Molon da REDE as bibliotecas também são tratadas sem grandes novidades e seguindo o mesmo caminho dos candidatos apresentados anteriormente. As propostas de Molon se fixam em ampliar e qualificar a rede municipal de bibliotecas, adotando o modelo de bibliotecas parque e também melhorar a estrutura de trabalho dos profissionais da educação, oferecendo uma melhor estrutura com a criação de laboratório, bibliotecas etc. Em nenhum momento o candidato da Rede Sustentabilidade explica de que maneira e como vai ampliar as bibliotecas municipais e muito menos informa como vai adotar o modelo multimeios das bibliotecas parque.
Vale destacar que as três bibliotecas parque do estado situadas no município do Rio foram assumidas pela prefeitura até o fim deste ano ao custo de R$ 1 milhão e meio mensais. A dúvida que paira no ar é se a nova gestão municipal garantirá a manutenção do acordo a partir de 2017, garantindo a manutenção destes espaços.
Em Niterói, região metropolitana do Rio, a candidatura de Flávio Serafini (PSOL) à prefeitura apresenta uma proposta mais completa com uma política municipal de leitura e bibliotecas. Nela Serafini prevê seis pontos que vão desde a ampliação dos espaços de leitura nas escolas municipais, como também a abertura de concurso público para bibliotecários.
Os seis pontos apresentados pelo candidato são: 1) implementação gradual de bibliotecas em todas as escolas municipais; 2) criação de concurso para contratação de bibliotecários escolares; 3) elaborar e implementar o Plano Estratégico para a implantação progressiva das Bibliotecas Escolares nas unidades de ensino da Rede Municipal de Educação, garantindo o cumprimento da Lei Federal Nº 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país; 4) criar o Sistema Municipal de Bibliotecas Escolares da Rede Municipal de Ensino de Niterói; 5) realizar automação das Bibliotecas Escolares da Rede Municipal de Ensino; 6) promover a migração dos bibliotecários da Fundação Municipal de Educação de 20 para 40 horas semanais para garantir a presença integral do profissional na escola.
Em São Paulo
Na capital paulista os planos de governos dos candidatos parecem não diferir muito dos do Rio. No caso do atual prefeito, Fernando Haddad (PT), que está em busca da reeleição, não existe nada de específico em suas propostas para as áreas do livro, leitura e bibliotecas. O bibliotecário William Okubo, entretanto, destaca o fato de a atual gestão é responsável por implantar algumas novidades nesta seara, destacando-se duas ações: a ampliação de horário da Biblioteca Mário de Andrade, que passou a funcionar 24 horas e a implementação do Plano Municipal do Livro, Literatura, Leitura e Bibliotecas, que apesar de apoiado pela Secretaria Municipal de Cultura, teve grande empenho de um vereador Antônio Donato, do PT, que entre seus assessores possui um bibliotecário.
Luiza Erundina, candidata pelo PSOL, por sua vez, promete equipar as escolas com materiais e acervos atualizados, além de criar pontos de Leitura. As propostas da candidata preveem, ainda, a implantação, em prioridade, do Museu da Cidade, cuja diretriz e o escopo de sua política será a memória viva da cidade. Erundina deve também assegurar que toda subprefeitura conte com, ao menos, um teatro, uma biblioteca, um cinema, um museu e um espaço para oficinas culturais, cursos de iniciação artística e exposições.
No que se refere ao Sistema Municipal de Bibliotecas, a Psolista promete alterar sua estrutura, saindo de um padrão hierarquizado para um padrão de trabalho em rede. “As bibliotecas também devem atuar como espaço de acolhimento, fruição e projeção, não exclusivamente, mas especialmente das práticas de leitura e escrita. Criação de uma ‘Rede de Leitura’, composta pelas bibliotecas públicas, centros culturais, bibliotecas e salas de leitura da rede escolar municipal e parceiros. ”
No plano de governo de João Dória, candidato pelo PSDB, consta a proposta de potencializar as ações de incentivo à leitura na rede municipal de bibliotecas entre as quais se incluem criação do prêmio “São Paulo Amiga da Leitura”, promoção de leituras dramáticas, alfabetização digital, informação ao cidadão, criação de brinquedotecas pedagógicas, implantação de bibliotecas infantis nas zonas periféricas e reativação e aumento do número de ônibus biblioteca.
De acordo com Okubo, devido a problemas contratuais e falta de recursos em 2016, os ônibus-bibliotecas estão parados há quase um ano. “Realmente um problema”, reclama. “Mas por outro lado, nessa gestão os ônibus foram reformados e estavam funcionando a contento antes dos problemas informados”, destaca o bibliotecário.
A proposta de Celso Russomano, candidato pelo PRB e líder das pesquisas de intenção de votos na capital paulista, é, de longe, a mais genérica: “ampliação dos acervos de livros e das atividades de leitura”. Algo não muito diferente das propostas do candidato do Solidariedade, Major Olímpio. Segundo ele seu governo irá garantir que as escolas disponham de bibliotecas e de quadras poliesportivas cobertas nas áreas disponíveis, além de ampliar projetos de incentivo à leitura e aumentar o número de bibliotecas públicas.
Marta Suplicy, candidata do PMDB, fala em reorganizar o atual Sistema Municipal de Bibliotecas e criar a Primeira Biblioteca Pública Digital de São Paulo. A candidata promete também incentivar a leitura retomando o programa de biblioteca itinerante com o ônibus-biblioteca e pontos de leitura; implantar ações de educação patrimonial, sobretudo em escolas de educação infantil e fundamental; ampliar e intensificar a programação oferecida nos equipamentos culturais como bibliotecas e museus buscando promover maior integração destes com a população e criar programas de registro e salvaguarda do patrimônio imaterial.
Por fim Ricardo Young, da Rede, se compromete em estimular coletivos de educação não ­formal e atividades para crianças em espaços públicos (Rodas de Leitura, Barro Molhado, Semana do Brincar). Segundo ele, enquanto as bibliotecas da Sé abastecem cada habitante com uma média de 16,8 livros, no Grajaú esse índice é zero. Por isso ele deve, conforme suas propostas, construir bonitos centros culturais, mas primeiro reconhecer e fortalecer os saraus, as ocupações, os grupos culturais locais, seus eventos e atividades. “Transformar cada garagem, laje, terrenos e espaços ociosos em bibliotecas, sala de cinema, espaço cultural gerido pela comunidade local em parceria com as co-prefeituras”.
Para o William Okubo, os planos são muito genéricos e pouco detalhados. “Apesar de ser mais um problema, eles demonstram um caminho. O caminho da aproximação dos profissionais e especialistas junto às equipes de Cultura e Educação dos partidos para tentar mostrar o que é realmente preciso e também a pressão sobre o governo eleito, para que o que está no papel seja detalhado e implantado quando considerado correto sob o ponto de vista profissional”, avalia o bibliotecário. “Maior participação na política é o caminho para mudar as propostas feitas, incluindo a aproximação com movimentos populares ligados à cultura e educação, pois o caminho inverso, do povo para os políticos deveria ser o foco do nosso advocacy”, defende.
Planos de Livro e Leitura

Cabe ressaltar ainda que tanto no município, quanto no estado do Rio estão sendo discutidos e implementandos os respectivos os Planos Municipais e Estadual do Livro e da Leitura. Em nenhuma candidatura foi apresentada uma proposta que leve em conta esses programas e muito menos a criação de uma política pública concreta e menos reducionista para as bibliotecas e para a área do livro e da leitura. O cenário se repete em vários outros municípios do país.

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